"O Discurso do Rei" joga luz sobre o distúrbio de fluência , que atinge 2 milhões de brasileiros; ao contrário do que se vê na ficção , problema tem bases genéticas e neurológicas, apontam últimas descobertas
Divulgação
No filme ‘O Discurso do Rei’, George 6º (Colin Firth) grava a própria voz durante consulta com terapeuta para gagueira.
Por Iara Biderman, São Paulo
George 6º, rei da Inglaterra entre 1936 e 1952, enfrentou sucessão complicada, avanço do nazismo e decadência do Império Britânico. Mas o fio condutor de "O Discurso do Rei", que estreou ontem, é sua luta contra a gagueira. Como toda ficção baseada em fatos reais, o filme já é alvo de críticas em relação à sua veracidade histórica. A questão pessoal que rege a narrativa, a gagueira, também levanta poeira.
PSICOLOGIA X BIOLOGIA
O ruído na comunicação é a ênfase que o roteiro dá aos aspectos psicológicos
relacionados ao distúrbio.
A maioria das pessoas, segundo especialistas, acredita que traumas de infância são o que faz uma pessoa gaguejar, o que não é verdade. "Hoje, sabemos que a causa está em genes que interferem na formação e no funcionamento de áreas cerebrais que gerenciam a emissão da fala", diz o neurologista Marco Antônio Arruda, da Academia Brasileira de Neurologia.
Os primeiros genes responsáveis pela gagueira foram descobertos há um ano.
"A ciência conhece bem síndromes complicadas que atingem menos de 0,02% da população, mas estuda pouco a gagueira", lamenta a fonoaudióloga Anelise
Junqueira Bohnen , do IBF (Instituto Brasileiro de Fluência). É por isso que ela, como outros militantes da causa, comemora o sucesso de "O Discurso do Rei", com 12 indicações ao Oscar. "Gagueira não é assunto. O "Rei" coloca o tema na conversa do dia."
Segundo Ignês Maia Ribeiro , presidente do IBF, o filme mostra como a gagueira era entendida e tratada na época. "O trabalho de Logue [o terapeuta do rei], autodidata e heterodoxo, foi pioneiro. Ele ia além dos trabalhos com oratória de seu tempo. Já usava algumas técnicas de relaxamento e suavização da fala que usamos hoje."
NOVAS POSSIBILIDADES
As descobertas sobre bases genéticas da gagueira e funcionamento cerebral podem trazer novas formas de tratar o problema que, no Brasil, é crônico para cerca de 2 milhões de pessoas, segundo estimativa de Ribeiro.
O neurologista Marco Antônio Arruda conta que estudos controlados com um antagonista da dopamina (medicamento que anula a ação do neurotransmissor) estão mostrando bons resultados. Os remédios ainda não chegaram, mas novas tecnologias já foram incorporadas aos tratamentos.
Uma das ferramentas é o "Speech Easy", aparelho que faz a pessoa ouvir a própria voz com um pequeno atraso. É o "efeito coro". Em situações como recitar em coro ou cantar, é comum a pessoa não gaguejar, porque aciona circuitos cerebrais diferentes dos usados na fala comum.
Outros recursos são aplicativos para iPad e iPhone. Barbara Fernandes, fonoaudióloga brasileira que mora nos EUA, criou o "Fluency Tracker", programa que mapeia as situações relacionadas à gagueira para que o paciente identifique em que momento precisa usar as técnicas aprendidas em
consultório, além de acompanhar o seu progresso no dia a dia. A versão em inglês do aplicativo já está à venda na App Store por US$ 9,99 (cerca de R$ 16,65). "Vamos lançar agora a versão em espanhol e, daqui a dois meses, em português", diz Fernandes.
Frases
"A ciência conhece bem síndromes complicadas que atingem menos de 0,02% da população, mas estuda muito pouco a gagueira"
ANELISE BOHNEN
fonoaudióloga
"A causa está em genes que interferem em áreas cerebrais ligadas à fala"
MARCO ANTÔNIO ARRUDA
MARCO ANTÔNIO ARRUDA
neurologista
Fonte: Folha de São Paulo
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